segunda-feira, 15 de dezembro de 2014
Natureza.
Na biblioteca úmida do tio Nestor Laura percorria com os dedos frios os livros gastos pelo tempo e o silêncio.
Gostava assim... da música sem notas que a chuva produzia nas noites chuvosas de janeiro.
Não tinha pai. Não teve colo de mãe e nem tempo de sofrer por si mesma. Tinha lutas pela frente... viver pode ser uma grande aventura e ela sabia disso, desde sempre...
Lembrou que conheceu o tio de barba grossa aos 7 anos, quando o pai foi estudar estrelas mais de perto. Não gostava de lunetas, constelações e cometas... mas amava o pai.Chorou muitos dias por ver o brilho vivo dele mudar de lugar.
Depois de muitos avanços, aprendeu que o silêncio do tio era tudo o que tinha ao seu dispor... e livros, muitos livros de todos os jeitos, nenhum de criança.
Descobriu que crescer lentamente era um presente para poucos e que precisava deixar sua natureza viva para trás e descobrir nos seus fundos o que mais tinha dentro de si além de risos frágeis e sonhos.
As aulas tinham acabado... férias.Cadeira de veludo. Tapete gasto e o gato pardo que insistia em encarar seus medos pálidos... sabia que tinha muito a fazer, muito a organizar,cores,tamanhos e prioridades.
Mas no fundo o que aquela menina pequena mais queria era lutar contra tudo o que era e a fragilizava.
Fechou longamente os olhos cinzas e voltou no tempo... viu dona Lena na porta com sorriso largo e coração quente.
Lembrou da doçura do seu café e do abraço que cabia metade do seu mundo despedaçado. Lembrou do pai esfriando em algum lugar, lembrou das lágrimas que borravam seu vestido preto sem parar, sem descanso...
E finalmente, veio a recordação mais importante de todas: seu primeiro ensinamento na casa nova, a voz rouca e boa da dona Lena:
" filha, não podemos lutar contra nossa natureza".
Abriu os olhos devagar, respirou mais uma vez o ar quente e úmido daquele verão que mal começava e continuou... teimosa como era de se esperar, em ser a menina que o tio arquitetava: feliz.
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