sexta-feira, 22 de maio de 2015

Pedro e o mar


Julho.Férias.Era hora de deixar a cinzenta cidade para trás com seus prédios frios para buscar a água morna da praia que ele tanto amava.
Pedro, o menino das lentes grossas e cabelos escorridos, vestia com entusiasmo sua blusa azul marinho e calçava com agilidade seu all star.Estava na hora... e ele sabia.
Mário e Cláudia eram empenhados em dar uma boa educação para o filho.A mãe tagarela e o pai austero na  sua pouca sincronicidade tentavam com afinco arrancar um diálogo do  filho, mas pouco se conseguia.
Pedro era daquelas crianças que falam com os olhos e economizava as palavras porque achava que pouco traduziam as ânsias que moravam dentro dele.
Jogou pouca coisa na mochila: óculos, sunga, umas três bermudas e algumas camisetas com cheiro de guardado.

(...)
O caminho era cheio de curvas sinuosas e o estomago ia embrulhando em cada uma delas... os prédios,os muros sem cor já tinham desaparecido há muito... mas Pedro ainda podia ouvir as sirenes e buzinas insistentes dentro dele.
Devagar, como as subidas que enfrentava para chegar no seu destino, os sons antigos e cotidianos iam se despedindo e dando lugar ao silêncio: o abrigo preferido daquele desengonçado garoto de dez anos.
Os pais falavam no banco da frente sobre a alta dos preços no mercado, no conserto da máquina de lavar e na necessidade  do menino se empenhar mais no colégio... "afinal estamos pagando uma nota! você precisa dar valor ao nosso sacrifício!" a voz da mãe era um ruído fraco, parecido com todos os barulhos que a cidade fazia e ficaram pra trás.

"Esse menino é estranho" - disse o pai com aquele ar severo de quem não entende o silêncio...
Pedro perseguia as gotas da janela que corriam pelo vidro frio. Chovia. Chuva fraca dessas que parecem com as surpresas chatas que nos pegam no meio de uma tarde boa de domingo...
Será que essa chuva perseguiria a família até a praia? Será que os planos de Pedro estariam comprometidos pelo céu cinza que se anunciava até ali, distante de tudo?

A chuva foi dando lugar aos raios quentes de um sol firme. Um sorriso torto começou a se desenhar no rosto do menino. Nessa vida louca com tantos desafios errantes, um raio de sol iluminou a mão pálida que segurava as gotas na janela. Fazia sol! Poderia seguir com seus planos! E o sorriso se estendeu por todo o rosto sardento dele...

Adormeceu... acalentado pelos discursos paternos.
(...)

 -- Pedro! Chegamos! - disse a mãe com carinho...
Abriu os olhos com cuidado, esfregou o rosto... e desceu trôpego em direção ao lugar favorito do planeta : A praia do frade.

Correu... correu por muitos metros ouvindo ao longe os gritos  agudos da mãe que não entendia tamanha sandice.
Pedro queria ganhar o mundo ou pelo menos desistir do seu mundo cinza.Trocar pelas areias brancas e todas as cores que a praia tinha. Seu mundo monocromático estava longe.
Simulou um voo solidário com as gaivotas que estavam ali... molhou os pés na água fria, e fechou os olhos dando lugar aquela felicidade instantânea que acabava de chegar... não precisava de palavras.

Pedro era feliz. O mundo cabia ali... e não importava a enxurrada de palavras da mãe e os olhares de desaprovação cotidianos do pai.
Sabia que a  alegria cabia naquele oceano... na sua sincronia e consistência... era julho. E nem a fragilidade do clima, nem as horas marcadas iriam mudar o que ele sentia: estava de férias.
 

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